A Revista Mix deste final de semana, além de apresentar o conceito de capacitismo a partir de pesquisas realizadas na cidade, conversou com Vitor Caprioli, conhecido como DJ CAPSM, a trompista Camila Moraes e a estudante de Artes Cênicas Patricia Maciel. O trio tem trajetórias pessoais diferentes, mas um objetivo em comum: usar a arte como uma ferramenta contra o capacitismo.
Destaque na música eletrônica
Aos 21 anos, o DJ CAPSM, nome artístico de Vitor Caprioli, tem se destacado no mundo da música eletrônica. Em junho, o estudante de Música e Tecnologia da UFSM teve a música You And Me, lançada como parte da 6ª edição da compilação musical da Controversia Records, gravadora do artista internacional Alok.
O jovem nasceu com uma deficiência visual e, quando criança, teve um descolamento de retina que agravou o quadro. Desde então, Vitor tem 20% da visão. Segundo ele, a deficiência é só mais uma das características que fizeram dele um DJ.
– Tenho ouvido absoluto, ou seja, consigo identificar notas musicais da forma que for. Além disso, ganhei meu primeiro violão aos 4 anos, então sempre fui muito incentivado a gostar de música. Aos 10 anos, fiz meu primeiro remix. Ou seja, a deficiência visual nunca foi uma limitação, pelo menos não para mim – explica.
De acordo com o DJ, as limitações foram impostas por outras pessoas, como alguns professores de violão que ficaram receosos de ensinar o Vitor de 4 anos, com deficiência visual, a tocar violão.
Hoje, além de atuar na produção musical, Vitor também toca instrumentos como flauta, escaleta, violão e baixo. Na memória, ele recorda que se alfabetizou na música antes mesmo que nas letras e, no dia a dia, se sente à vontade para reivindicar o que for necessário para seguir estudando e produzindo músicas. No entanto, os preconceitos do capacitismo incomodaram o DJ.
– Não tenho problemas em falar sobre isso e até faço brincadeiras. Mas existem situações bem complicadas no dia a dia. Às vezes, parece que preciso provar que tenho deficiência visual, já que não preciso usar bengala que guia, por exemplo, para solicitar adaptações e, ao mesmo tempo, parece que querem que eu prove que sou tão qualificado quanto alguém sem deficiência – desabafa.
Apaixonado por música, especialmente pela vibração da música eletrônica, DJ CAPSM diz que, para o futuro, novos projetos serão lançados e a expectativa é que o reconhecimento profissional pela habilidade com as mixagens, e não apenas pela deficiência, seja constante.
O hobbie que despertou o sonho de ser dubladora
A aspirante a dubladora Patrícia Maciel ingressou no curso de licenciatura em Teatro na UFSM, no primeiro semestre de 2022, motivada pela possibilidade de adquirir não apenas o diploma em Teatro, mas também o certificado de dubladora, que pode levá-la mais perto de seu sonho: ouvir a própria dublagem em um produto importante.
Fã de jogos e de animes, encantou -se pela profissão de dubladora com o jogo League Of Legends, mais conhecido como LoL. Ela começou vendo o jogo na linguagem oficial e, depois, em português, para ver se o dublador fazia similar à linguagem oficial. A versão em português dos filmes do Studio Ghibli também chamaram muito a atenção de Patrícia por transmitirem, por meio da dublagem, todas as sensações e sentimentos que o autor pretende passar.
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Atualmente, no curso, gosta muito da disciplina de expressão corporal e vocal que, segundo ela, é uma forma de redescobrir o próprio corpo. A relação com teatro não é de hoje. Patrícia já tinha feito aulas de teatro quando criança, mas, na época, ainda não enxergava a atividade como uma possibilidade de profissão:
– Eu gostava, mas ainda não era isso que eu queria. Aí, depois de grande, eu comecei a ter interesse na parte de dublagem, principalmente influenciada por animes e jogos – conta Patrícia.
A estudante praticou teatro durante um curto período ao longo da infância, devido a complicações de saúde que fizeram com que ela se afastasse das atividades cotidianas.
– Quando eu era criança, eu tive câncer e, durante o tratamento, tive que amputar a perna por conta de uma infecção generalizada. Agora, estou terminando o tratamento de um outro câncer – explica Patrícia.
A jovem tem uma síndrome rara e hereditária, chamada Síndrome de Li-Fraumeni, que pode despertar vários cânceres iniciais.O primeiro, ela descobriu aos 12 anos e, o segundo, aos 21. Ela já se recuperou de quatro cânceres e está finalizando o tratamento do quinto.
Ela percebe muitos desafios de acessibilidade desde o momento em que sai de casa no transporte público até chegar na Universidade. Mesmo assim, ela se sente realizada por ter ingressado no curso que escolheu:
– Me senti bastante empolgada e nervosa, era um mix de sentimentos. Durante o semestre, eu fui percebendo que era algo muito legal e fiquei cada vez mais interessada no curso –comenta.
De Santa Maria para a primeira Orquestra Parassinfônica de todo o mundo
Desde 2019, Camila Moraes, que nasceu com uma deficiência física no braço direito, é estudante do curso de Música Licenciatura na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e integra a Orquestra Sinfônica da cidade.
O ingresso no curso é recente, mas a relação da estudante com a música começou há pelo menos 12 anos, quando Camila ainda era criança.
Aos 10 anos, ela ingressou em um projeto social de música em Tupanciretã, cidade onde nasceu. Foi aí que teve o primeiro contato com a trompa, instrumento de sopro da família dos metais. Fascinada pela música, Camila treinava em casa e se fascinava a cada nova música que aprendia a tocar:
– A primeira música que aprendi na trompa foi Amigos Para Sempre. Eu fiquei vários dias tentando, aí quando consegui tocar, foi aquela alegria, né. Lembro, até hoje, da sensação de aprender a tocar uma música inteira. Foi assim que começou minha paixão pela música.
Na adolescência, apesar do talento com a trompa, Camila ainda não pensava em seguir com a carreira musical. De acordo com a trompista, o incentivo dos professores foi fundamental.
– Apesar de amar música e tocar trompa, não conseguia me imaginar seguindo profissionalmente com essa carreira. E, um pouco desse pensamento limitado, vinha das inseguranças por ser PcD. Mas, meus professores de Tupanciretã sempre me motivaram e fizeram eu me envolver ainda mais com a música como uma profissão –comemora.
Em 2017, ela veio para Santa Maria para estudar na UFSM. Mas, ainda não era o almejado curso de Música. Foi em 2019 que Camila começou a licenciatura em Música e, a partir daí, não parou mais de estudar e subir aos palcos.
Em junho, a trompista decidiu viver mais uma etapa da carreira profissional: realizou uma audição presencial para a Orquestra Parassinfônica de São Paulo (Opesp), a primeira do mundo. No final do mês, a Opesp divulgou os resultados com a aprovação da trompista:
– Eu estou muito feliz. Vai ser incrível fazer parte da primeira Orquestra Parassinfônica do mundo. Me sinto cada vez mais qualificada fazendo parte da UFSM, da Escola de Música da Ospa e, agora, da Opesp.
Na música, Camila encontrou oportunidades profissionais e possibilidade de enfrentar atitudes que discriminam pessoas com deficiência.
– As pessoas me perguntam como eu consegui aprender a tocar com a deficiência física que tenho. Eu nasci assim, então nunca precisei reaprender nada. É engraçado responder porque não envolve uma história de superação que as pessoas gostam de ouvir.Na verdade, só o que precisou foi ter uma oportunidade porque a paixão pela música já existia.
Leandra Cruber, [email protected] e Mirella Joels, [email protected]
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